O fim do industrialismo

Publicado 18/06/2000

 "A idéia é o grande capital do fim de século. Bill Gates surpreendeu os capitalistas tradicionais e, da noite para o dia, se tornou o homem mais rico do mundo". "Vivemos dentro de uma história que se supera continuamente… O progresso científico e técnico das sociedades atuais, sobretudo as mais avançadas estão em contínua superação". O marxismo, ciência política que influenciou expressivas gerações de intelectuais do século 20, introduziu o conceito de análise baseado no materialismo histórico e dialético. As sociedades são caracterizadas pelos aspectos sociais, políticos e econômicos. Enquanto concepção de análise científica este método continua sendo o elemento que os historiadores, economistas e cientistas políticos possuem para constantemente atualizar o estudo da conjuntura mundial.

Entretanto, estamos vivendo nestes últimos anos do século 20 um processo muito rápido de transformações das relações de trabalho, de produção da vida familiar e cultural. Mudanças rápidas e radicais estão ocorrendo em cada uma das muitas dimensões da sociedade. O que Alvin e Heidi Tofler denominam de a Terceira Onda, no livro Criando uma Nova Civilização (Editora Record), Tarso Genro – no artigo Uma Nova Cultura de Solidariedade, publicado no suplemento Mais!, do jornal Folha de S. Paulo (de 12/1/1997) – chama de Terceira Revolução Científica Tecnológica. Alvin e Heidi Tofler preconizam também, como primeira onda, a Revolução Agrícola, que possibilitou a estruturação econômica das primeiras grandes civilizações (800 a C. até 1650-1750), e, como segunda onda, o industrialismo, iniciado com a Revolução Industrial. Esse industrialismo, que deu o tom na economia mundial, está em fase de decadência neste fim de século. Numa queda, pode-se dizer, brutal. Idade Tecnológica – Flaubert e Guimarães Rosa procuravam a palavra exata para definir as coisas e sentimentos. Os cientistas sociais e políticos seguem, hoje, o mesmo caminho. Estão à procura de palavras para descrever a potência e o alcance totais destas mudanças extraordinárias – que ocorrem numa velocidade tão espantosa que os instrumentos teóricos envelhecem rápido. Alguns experts falam em Idade Espacial, Idade da Informação, Era Eletrônica ou de uma Aldeia Global. Zibigniew Brzezinski acredita que estamos passando pela Idade Tecnológica.

O sociólogo Daniel Bell descreve uma Sociedade Pós-Industrial. Os futuristas russos falam da R.T.C. – a Revolução Tecnológica Científica. Aparentemente, são meros rótulos. Na verdade, os cientistas sociais estão procurando capturar o que está acontecendo nos poros do novo poder da sociedade tecnológica. É difícil compreender por que, como diria Eric Hobsbawm, os tempos estão enlouquecidos. Isto é, as coisas não estão se assentando de modo que permita sínteses como, digamos assim, O Capital.É tempo, parece-nos, de estudos mais específicos, que não percam, porém, a idéia de globalidade, de estrutura. Mas voltaremos à questão das diferenciações dos ciclos de desenvolvimento da humanidade. A revolução agrícola, primeira, é simbolizada pela terra e pela enxada. A segunda revolução, a industrial, foi caracterizada, naturalmente, pelo industrialismo e pela linha de montagem. A terceira é a revolução científica-tecnológica. O símbolo-mãe deste período é o computador. Em todos os modos de produção – escravismo, feudalismo e capitalismo – , os processos de transição foram longos. O processo de adaptação, de cristalização da hegemonia de um modo de produção, demandou longo tempo. A transição do escravismo para o feudalismo, por exemplo, custou a destituição do poderoso Império Romano, no século 4. Uma nova estrutura de poder surgiu – e a terra tornou-se sinônimo de poder. Poder controlado pela nobreza e pela Igreja Católica. Para romper essa estrutura feudal, mil anos depois surgiu uma classe revolucionária, a burguesia. Por intermédio do comércio, a burguesia revitalizou as cidades.

E, com uma ampla aliança com a realeza, instituiu o absolutismo, fincando as condições necessárias à transição para o capitalismo, que definiu todo o seu campo de ação após a Revolução Industrial. Idéia e Poder – Quando tudo parecia assentado, com a cristalização do capitalismo como modo de produção dominante, sobretudo devido ao enfraquecimento do socialismo, na década de 80, uma nova civilização começou a emergir – nos poros da velha, como diria Marx -, a civilização do conhecimento. Este novo ciclo da história poderá até mesmo desencadear futuramente um novo modo de produção, principalmente se levarmos em consideração a instituição, na sociedade, do individualismo – em detrimento da esperança de organizações coletivas. O coletivo está sendo demolido na sociedade do, podemos dizer "recolhimento". A queda do Muro de Berlim, símbolo máximo do fim do socialismo real no Leste europeu, é a expressão dessa nova decadência. Mas é a única. Os próprios capitalistas estão assustados com os novos tempos – em que ter capital não é tudo. Um capitalista como Bill Gates, da Microsoft, surge, da noite para o dia, e com base no conhecimento, torna-se a maior fortuna do mundo. Marx, que morreu em 1883, não poderia prever isso: o capital perdendo espaço para a idéia. A idéia é o grande capital do fim de século.

Mas voltando à utopia. A esperança. A utopia de uma sociedade justa continua existindo. Porém, os mecanismos de realizar este sonho permaneceu totalmente preso ao industrialismo. Podemos afirmar que a revolução técnico-científica em curso significa, atualmente, a transição do industrialismo, simbolizado pela fábrica e pelas chaminés, para um novo mundo, no qual as fontes de energia serão diversificadas, as escolas e corporações serão novas e radicalmente modificadas. A civilização emergente, que o casal Tofler chama de terceira onda, nos transporta para além da concentração de energia, dinheiro e poder. O conhecimento constitui uma ameaça maior a longo prazo para o poder financeiro.

A revolução da informação está reduzindo a necessidade de capital por unidade de insumo. O próprio processo de globalização da economia demonstra claramente isso. Os produtos agropecuários importados do Mercosul chegam ao mercado com preços inferiores aos produzidos em Goiás, que faz poucos investimentos em tecnologia. O empresário goiano, rural e urbano, não percebeu a extensão da globalização. Até numa banca de revista ou de camelôs se compra brinquedos chineses de qualidade apenas razoável, mas com preços satisfatórios. Nas Lojas Americanas, o goiano pode comprar canetas fabricadas na Tailândia. Na proporção em que o processo de informatização – evidenciado sobretudo pela robótica – avança sobre as linhas de montagens das fábricas, ainda caracterizadas pelo industrialismo, o que teremos é um contingente muito menor de empregados e infinitamente uma produção extremamente superior em qualidade e com preços cada vez menores. Países de base agrícola agitam-se para construir siderúrgicas, fábricas de automóveis.

Este processo novo não pode ser constituído dentro do estilo clássico do industrialismo – sob pena de transformar-se dentro de alguns anos em um amontoado de sucata. (Por isso mesmo é preciso examinar com mais cautela as informações de que empresa tal vai se instalar em Goiás e gerar milhares de empregos.) A fábrica que conhecemos está se tornando coisa do passado. Elas ainda são deminadas por padronização, centralização e burocratização. Na sociedade revolucionária do século 21, a produção será baseada em novos princípios pós-fábrica. Ocorrerá em instalações que pouco se parecem com fábricas. Um volume cada vez maior da produção será feito em casa, em escritórios, carros e aviões. Qualidade de vida – O processo de terceirização da produção e dos serviços para pequenas empresas – e até mesmo para os indivíduos que detenham conhecimento e capacitação profissional – será a linha básica da estrutura de produção do futuro. Luis Cesar Bueno

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