DISCURSO PROFERIDO PELO NOBRE DEPUTADO LUIS CESAR BUENO, NA SESSÃO ORDINÁRIA DO DIA 13 DE MAIO DE 2003, NO MOMENTO DESTINADO AO GRANDE EXPEDIENTE
Publicado 13/05/2003
Senhor Presidente; Senhoras Deputadas; Senhores Deputados. Nós aproveitamos este momento para continuar a linha de análise em relação à reflexão sobre o 13 de maio, os reflexos na nossa sociedade, já iniciada aqui pelo Deputado Paulo Garcia. Neste 13 de maio, hoje, embora muitos em nossa sociedade, nos livros didáticos ainda insistam em afirmar que essa data é de suma importância para os negros no Brasil, a realidade mostra que não temos muito a comemorar. Enquanto a Lei Áurea falava de liberdade, de abolição da escravatura, o que ocorreu, foi o abandono de milhões de negros à própria sorte, sem indenizações pelos trabalhos de toda a vida, sem nada para recomeçar. Enquanto, no Brasil, nós tivemos 4 milhões de negros escravos transportados em navios negreiros, nos Estados Unidos, esse contingente chegou a 800 mil. Mas o processo de luta nos Estados Unidos teve uma interferência do Estado e das instituições, principalmente nos idos dos anos 60, que estabeleceu nos Estados Unidos até mesmo um processo de cotas nas universidades. É bom dizer que há trinta anos, o sistema de cotas existe nos Estados Unidos, atendendo os negros nas universidades americanas. E se, hoje, nós temos chefes de estado como Collin Pawel, que se destacou como negro e tantos outros estadistas, senadores, deputados, governadores nos Estados Unidos; no Brasil, agora é que estamos tendo o 1º Ministro do Supremo Tribunal Federal negro, indicado pelo Presidente Lula. A Ministra Benedita da Silva, que não ocupou o cargo por ser assistente social, por ser oriunda do sistema de cotas, mas pela sua luta como negra, como mulher que lutou pelas igualdades sociais, contra a exclusão social no Estado do Rio de Janeiro. Portanto, são dois sistemas que mostram muito claramente o sistema de exploração, o sistema de exclusão social e que coloca a negritude no País como um processo que necessita urgentemente de políticas públicas que combatam à discriminação. Depois de mais de cem anos de abolição, agora é que conseguimos ter um negro indicado para o Supremo Tribunal federal. E é importante fazer uma reflexão, que recentemente, em uma pesquisa feita pela revista “Exame”, entre 383 executivos das grandes empresas nacionais, apenas 2% eram negros. Essa é a realidade da exclusão social no Brasil, especialmente da exclusão do negro. E muito se discute quando expomos essa situação, e tentam colocar que estamos levantando uma política preconceituosa. Mas é importante dizer que o pobre branco sofre, e sofre muito, mas o pobre negro sofre muito mais do que o pobre branco. Temos que ter uma política de combate a toda exclusão social, a toda pobreza, porque esta é uma questão social. Mas, especificamente na questão relacionada à raça negra, quando colocamos aqui o sistema de cotas nas universidades, realmente estamos fazendo uma política discriminatória, mas é uma política afirmativa, diferente da discriminação que ao longo da história do Brasil tirou os negros das universidades, tirou os negros do mercado de trabalho e os colocou entre aqueles índices estabelecidos entre os grandes números de desempregados, os que ganham os menores salários e os que exercem uma função profissional sem curso e sem qualquer capacitação técnica. Gilberto Freire, em sua tese “O mito da três raças”, mostrou a miscigenação como força de nossa cultura e colocou em terceiro plano um grande personagem, o negro africano, esquecido e marginalizado da sociedade. No imaginário sobre a identidade coletiva do Brasil, é a miscigenação biológica e cultural, enfatizada por Gilberto Freire, que majoritariamente celebra essa contribuição africana à identidade brasileira. Opondo-se a essa tendência diluidora, movimentos organizados da população afro-descendente, na luta contra a discriminação racial, buscam construir uma identidade coletiva própria no interior da identidade brasileira. Para tanto, têm que lidar com a memória da escravidão na história nacional, pois foi como escravos que os africanos chegaram ao Brasil e, ao mesmo tempo, tentam estabelecer um calendário próprio de comemorações. Nesse contexto a progressiva perda da importância, por pressão do movimento negro, das comemorações do 13 de maio, data da Abolição da Escravidão no Brasil e a sua substituição pelo 20 de novembro que comemora Zumbi dos Palmares, foi um dos fatos de maior alcance e visibilidade nos últimos anos, referente ao tema das disputas pela memória e seus significados políticos. Em tempo de reflexões sobre a história, memória e comemorações, devemos revisar essa disputa de datas e símbolos como forma de introduzir uma breve reflexão histórica sobre os muitos significados da escravidão africana, na história brasileira. Líder do maior e mais duradouro quilombo do Brasil Colonial, Zumbi se apresenta hoje como um grande herói da resistência a escravidão, verdadeiro arquétipo da não submissão dos escravos africanos ao cativeiro. Os escravos africanos e seus descendentes foram capazes de construir um mundo próprio, com relações culturais, familiares e religiosas que lhes devolviam a dignidade humana e os transformavam em agentes efetivos da vida sócio-cultural do Brasil colonial. O 13 de maio não libertou os negros. A maioria da população livre já era formada por negros e mestiços no momento da abolição, devido ao processo de mobilização civil que precedeu esta data e foi em grande parte relegada ao esquecimento, substituído pela imagem popularizada da abolição, mediante a concessão da Princesa retentora, libertadora de uma “raça”. O maior movimento de desobediência civil da história brasileira foi a libertação da escravatura. E, dentro dessa linha de análise, nós convivemos com a história do negro, hoje, que durante anos não conseguiu no seio do Estado e das políticas públicas, desenvolver políticas que garantissem a real valorização dessa raça. Basta pegar os números. Os brasileiros com menos de quatro anos de escolaridade, entre os brancos, são 21,7% da população, Entre os negros são 40.9%. Os brasileiros que ganham menos de um salário mínimo, entre os brancos, representam 12,7% da população, entre os negros, representam 26,2% da população; os brasileiros que percebem mais de 5 salários mínimos entre os brancos representam 14.1% da população, entre os negros que ganham acima de 5 salários mínimos, pasmem os senhores, 3.4% da população; e aí Deputado Ivan Ornelas, faz-se necessário fazer um relatório de quantos Senadores negros nós temos, quantos Deputados negros nós temos, qual a nossa realidade. Está tramitando, nesta Casa, um projeto propondo10% das cotas na Universidade Estadual de Goiás para os negros. O projeto de lei foi reduzido de 10 para 5% na Comissão de Constituição, Justiça e Redação. Existe um projeto de lei do Senador José Sarney, que já foi aprovado no Senado, que está agora em tramitação na Câmara Federal, já com o parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, que garante aos negros nas universidades públicas e privadas, 30% das suas cotas que já é um índice, mas nós queremos que essa lei do Estado de Goiás, que está inclusive na Comissão de Educação, seja urgentemente tramitada nesta Casa, porque nós teremos a segurança de que pelo menos 5% hoje nas salas de aulas, porque, hoje, é incomodo você estar numa faculdade de medicina e perceber que de 70 alunos, nenhum é negro; de estar na faculdade de direito, na sala de aula e perceber que de 53 alunos, um apenas é negro. Então, o Estado brasileiro tem essa divida histórica com essa raça. É hoje, no dia 13, nós temos que refletir essa situação. Gostaria que todos os colegas fizessem uma reflexão acerca da nossa atuação, e que contribuição nós podemos fazer para corrigir essa distorção histórica existente há mais de cem anos. Que contribuição nós podemos fazer, enquanto parlamentares, na formulação de políticas públicas, ao Governo? Gostaríamos de sugerir aqui algumas diretrizes a serem ampliadas, capazes de atuarem decisivamente na construção de um cenário justo, igualitário, para toda a população negra. Nós precisamos promover uma política de integração étnica cultural, que assimile a contribuição própria de cada um dos grupos pré-existentes. Precisamos empreender reformas estruturais, capazes de reduzir significativamente as desigualdades e disparidades sócio-econômicas e regionais, que afetam, sobretudo a comunidade negra, e certos grupos sociais que engrossam a massa majoritária dos excluídos. Devemos formular e suplementar políticas públicas ajustadas aos segmentos populacionais negros, favorecendo à tomada de consciência de nossa identidade própria, e criando condições para que possam dar sua significativa contribuição, na criação do modelo brasileiro de integração étnico-cultural, sem qualquer mancha, resquício, da sua hegemonia. E aqui é importante salientar que na época da Abolição da Escravatura, dita Abolição pela Princesa Isabel, a tônica para o pedido de abolição era a intervenção completa do capital inglês na economia nacional. Era necessário que a Inglaterra continuasse a sua expansão, por produtos que garantissem a expansão do mercantilismo. Então, para aumentar o mercado de consumo, os negros representavam essa camada. Agora, mais de cem anos depois, assistindo o “Jornal do Meio-Dia”, nós percebemos um caminhão de bóias-frias preso pela Polícia Federal, sob a acusação de crime flagrante de 115 trabalhadores durante 45 dias estar trabalhando em regime de escravidão. E olhando a televisão, Deputado Ivan, pude perceber que aqueles 115 trabalhadores bóias-frias trabalhando em regime de escravidão, fechados, sem carteira assinada, sem qualquer tipo de salário, sem ter a liberdade de ir e vir, noventa por cento eram negros. Então, o capital inglês, que motivou a dita libertação dos negros pela Princesa Isabel, é trocado hoje pelo capital da exploração no campo, o capital que sangra, suor e toda a capacidade do trabalho, e é a mesma raça, negra. Noventa por cento daqueles que estavam no caminhão de bóias-frias presos agora pela manhã, que foi transmitido pela Rede Globo, sob a acusação de estar trabalhando como escravos, eram negros. Os tempos mudaram, mas a mesma raça continua sendo explorada tal qual era nos séculos XV, XVI, XVII, XIX, e está sendo no século XXI. Portanto, gostaria de concluir as minhas palavras pedindo a todos os Parlamentares que reflitam sobre o nosso projeto, assinado por toda a Bancada do PT em tramitação nesta Casa, que propõe que nós instituamos políticas públicas, o Estado institua políticas públicas para combater o racismo, para combater essa exploração que durante anos vem atacando a raça negra. Em especial, pedimos o apoio ao nosso projeto de cotas, que está em tramitação aqui, nesta Casa. Muito obrigado.