“Capitalismo de Estado, Oligarquia e Exclusão Social”

Publicado 28/02/2000

 A Revolução de 1930, que não teve no povo um agente ativo autônomo, objetivou equacionar o método da disputa política entre as elites sem contrariar os privilégios das oligarquias. A Aliança Liberal, agregando segmentos das elites despregados do setor cafeeiro, não exprimia um projeto nacional ligado à nascente burguesia industrial ou à classe média e aos trabalhadores.

E o incipiente estatuto democratizador por ela legado foi logo sufocado pelo golpe palaciano do Estado Novo. A industrialização, os direitos trabalhistas e a organização sindical nascem e se desenvolvem como filhos do Estado através dos sindicatos e CLT. Conforme a tradição, o chamado processo de redemocratização, de 1944-1945, teve como desfecho uma espécie de golpe militar liderado pelos generais Dutra e Góes Monteiro, figuras proeminentes do Estado Novo. Os partidos mais importantes, que irão pontificar no novo período democrático – PTB, PSD e UDN – nascem a partir de incubadoras do Estado.

Nenhum dos movimentos sociais mais significativos, desde os anos 20 até então – o tenentismo, a Coluna Prestes, a ALN, o Partido Comunista e as greves operárias – conseguiu adquirir uma amplitude verdadeiramente popular e um caráter relativamente restrito e fechado. Quando o Partido Comunista ensaiou vôos mais altos após a redemocratização, foi abatido pela proibição legal e pela repressão. A implantação da indústria automobilística, no governo JK, é paradigmática do nacional-desenvolvimentismo: em função dela, arcou com a criação de toda uma rede de infra-estruturas – siderurgia, porto, estradas, petróleo, etc – e com todo um sistema de subsídios.

De tal sorte que o recente episódio envolvendo a Ford da Bahia não foi nada mais que a reiteração de um vício. A ditadura representou uma continuidade de nossa tradição política conservadora e autoritária. O expressivo apoio civil foi decisivo para a viabilização do golpe de 64. Em que pese o efetivo engajamento do povo da campanha das diretas, a redemocratização nos anos 80 é ilustrativa da nossa tradição conservadora. Esta tradição foi reiterada por uma composição entre forças do regime militar e setores da oposição para afiançar a transição controlada, via Colégio Eleitoral sem rupturas profundas com a ordem que sucumbia. Com a redemocratização, inaugura-se a era dos Planos Econômicos voltados para combater a inflação. Nos anos 90, tem início a reforma neoliberal, primeiro com Collor e depois com Fernando Henrique Cardoso.

O núcleo dessa reforma é o processo de privatização, que traz um elemento de ruptura com a tradição do capitalismo estatal e outro de continuidade. O Estado assumirá totalmente o papel de regulação em áreas de serviço público privatizado, mas o que prevalece é uma relação de promiscuidade entre as chamadas agências reguladoras e o capital privado, como se observa na área de telefonia e eletricidade. O fato de o próprio Estado financiar a maior parte das privatizações evidencia que o Capitalismo de Estado continua uma realidade viva.

O próprio presidente da República, através do poder que as medidas provisórias lhe conferem, pode definir os beneficiários do Capitalismo de Estado. O desemprego, empobrecimento da classe média, o aumento das violências urbana e rural são as outras faces dessa moeda. Fernando Henrique Cardoso reproduz os mesmos procedimentos predatórios que caracterizam secularmente as práticas políticas e administrativas da elite brasileira. E por via de conseqüência, mantém o Brasil nos marcos do sistema oligárquico que sempre o submeteu. Luis Cesar Bueno.

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