Por um ICMS com justiça e qualidade.
Publicado 25/04/2005
O deputado estadual do PT também disseca o futuro do partido no Estado A guerra fiscal é um dos males que atrapalham o desenvolvimento sustentado do país. Mas é um mal necessário. Dadas as condições geográficas do Brasil, um país de dimensões continentais, programas como o Produzir e o Fomentar, do governo estadual, são praticamente a única forma de atrair indústrias para o Estado. Mas os incentivos fiscais deflagram uma guerra interestadual, que também se reproduz entre os municípios de um mesmo Estado. Goiás, por exemplo, está às voltas com um novo projeto de distribuição de ICMS, que tramita na Assembléia Legislativa. O deputado Luís César Bueno, do PT, se preocupa com a questão. Ele defende uma divisão do bolo tributário que premie municípios que estão investindo em meio ambiente e qualidade de vida. Mas, nesta entrevista ao Jornal Opção, o deputado estadual petista não fala apenas de economia. Ele analisa as chances do PT nas eleições de 2006 e critica as Farc. Luís César Bueno aposta na reeleição de Lula no primeiro turno e não descarta uma aliança do PT com o PMDB em Goiás. Para o deputado, a tendência é o PT se aliar com o PMDB nos Estados em que não tiver chance. Afonso Lopes – O sr. está encampando a briga do ICMS na Assembléia. O que precisa ser mudado? Represento a Assembléia Legislativa no conselho de distribuição dos índices do ICMS da Secretaria da Fazenda, junto com o deputado Misael Oliveira e com o deputado Lívio Luciano. Temos percebido a necessidade de estabelecer novos critérios para a distribuição do ICMS. Durante dois anos temos discutido essa questão com prefeitos, com tributaristas. Goiânia contribui com 68 por cento do bolo tributário, mas recebe só 20 por cento. O conselho estabelece que 75 por cento seja distribuído de forma igual para todos, avaliando o critério populacional e o critério da produção de mercadorias. Já se tentou aprovar essa redistribuição, mas ela foi derrotada, por duas vezes, na Assembléia Legislativa, por retirar receita dos grandes municípios, dos municípios que produzem emprego e renda e que têm uma economia ativa e tentar distribuir para os municípios menores. Agora, tem um projeto que estabelece que os municípios com grande densidade populacional passarão a ter 15 por cento do bolo tributário. No ano passado, o bolo foi em torno de 960 milhões e esse ano deve passar à casa de 1 bilhão. O interessante é que esse projeto retira receita de municípios com grande densidade populacional e que tiveram atividade produtiva. É o caso de Goiânia, Senador Canedo, Anápolis, São Simão, Rio Verde e Itumbiara. E transfere para municípios com grande densidade populacional e que não têm atividade industrial, produtiva. É o caso de Planaltina, Formosa, Águas Lindas, Valparaíso, Novo Gama. Ele carimba os recursos para as cidades do entorno do Distrito Federal, que realmente é um processo de caos urbano, oriundo de uma política de desenvolvimento realizada no Distrito Federal pelo governador Joaquim Roriz. Só que a maioria dos prefeitos, 80 por cento das cidades goianas, não têm culpa disso. Temos que resolver o problema do entorno do Distrito Federal sem prejudicar os municípios menores. Se essa emenda vigorar, será um atraso para o Estado. Entendemos que o contingente eleitoral é um critério importante, mas não é o único. Deve se levar em conta, também, critérios como o investimento em recuperação ambiental e na qualidade de vida. Quero crer que essa emenda não seja uma armação política pelo fato de a Prefeitura de Goiânia ser comandada pelo PMDB. Goiânia perde algo em torno de 8 milhões de reais mensalmente. Afonso Lopes – Primeiro, se as cidades que têm apresentado melhoria na qualidade de vida já estão conseguindo isso, por que aumentar a participação delas no ICMS? Segundo, as grandes cidades não vivem da atividade econômica simplesmente, mas também pela influência que exercem. Não seria justo fazer esse repasse do ICMS para as cidades do interior? Isso já acontece na prática. Municípios como Catalão, Goiânia, Rio Verde, Itumbiara, Jataí e Minaçu são municípios que não conseguem ficar com a integralidade de suas operações comerciais. Ou seja, uma parte desse bolo já é destinada aos municípios menores. Nessa questão do ICMS, os municípios menores, para conter o fluxo migratório e garantir renda, precisam manter receitas, mas a emenda que tramita na Assembléia tira receita deles e passa para os municípios grandes. Afonso Lopes – Qual a reação da Assembléia quando o sr. levantou esses problemas? Primeiro, foi de grande dúvida. Já tentamos marcar duas audiências públicas para discutir o assunto com os prefeitos, mas não conseguimos ainda. Os prefeitos estão sendo iludidos com números provisórios. Aposto muito na intervenção da Associação Goiana dos Municípios nesse debate e espero que ela venha interferir. E já existe um ponto consensual: os municípios que garantirem investimento em qualidade de vida precisam ser contemplados. Não podemos premiar o mau prefeito, aquele que compra cinco ambulâncias e acha que o problema da saúde está resolvido. Euler Belém – Valdivino de Oliveira, vice-prefeito de Goiânia e secretário da Fazenda do Distrito Federal, se posicionou contra Goiás na guerra fiscal. Como vê isso? Gostaria de saber o posicionamento dele caso ele confirme sua candidatura ao governo. Ele disse que vai retaliar o Estado de Goiás. É um posicionamento muito sério para quem quer ser candidato a governador do Estado. Se não fossem esses incentivos fiscais, jamais teríamos um desenvolvimento extraordinário como estamos tendo nos últimos oito anos. Realmente, o Estado de Goiás deu um salto significativo em sua produção industrial e também na sua política de exportação. Euler Belém – Sobre a criação da Sudeco, qual é a posição do PT? Inicialmente, o ministro Ciro Gomes teve uma posição contrária, achando que eram instituições para desviar recursos. Mas com o processo de moralização da administração pública, isso deixará de ser problema. O Centro-Oeste já é a principal fronteira agrícola do país e o agronegócio pode impulsionar toda essa região para ser talvez a principal região do país no futuro. As grandes indústrias do eixo São Paulo-Rio estão migrando para diferentes regiões. Isso é importante para o desenvolvimento regional. Euler Belém – Por que a popularidade de Lula está caindo? Em primeiro lugar, é importante analisar que o governo Lula assumiu o país em condições caóticas. Tínhamos uma previsão de inflação para 2003 na ordem de 27 por, mas conseguimos reduzir essa perspectiva. O governo Lula teve coragem de fazer o ajuste fiscal que o governo Fernando Henrique não conseguiu fazer. Fernando Henrique pegou o governo com um superávit de 62 milhões e entregou com um déficit de 148 bilhões de dólares. Então, o governo Lula, para garantir os contratos e a credibilidade e proporcionar o desenvolvimento econômico, teve que fazer alguns ajustes fiscais rígidos para que o país não continuasse na UTI. Isso foi feito e acredito que os piores momentos que poderiam acontecer com a economia e com o desenvolvimento do Brasil já passaram. Essa impopularidade se deve a esse ajuste que evitou a bancarrota do país. Euler de França Belém – Mas o país é o quarto em pagamento de juros. No governo Fernando Henrique os juros pagos ao FMI representavam 44 por cento de tudo o que Receita Federal arrecadava. No governo Lula, isso foi reduzido para 23 por cento. E não precisamos mais do FMI hoje. Durante todo o governo Fernando Henrique, o Banco Central e o Ministério da Fazenda viviam de pires na mão, tentando empréstimos. Recentemente, o Brasil pegou um empréstimo sem precisar. Agora, não precisamos mais do FMI. A política desenvolvida pelo presidente Lula conseguiu potencializar o país. Conseguimos quebrar todos os recordes de produção industrial nos últimos 20 anos. Hoje, o Brasil supera o período mais potencial das exportações, que foi de 1972 a 1974. Afonso Lopes – Só em janeiro houve um aumento de 19 bilhões de na dívida pública interna. Só vamos conseguir incentivar a produção industrial se conseguirmos reduzir o brutal crescimento da dívida pública do Brasil. Fernando Henrique não conseguiu fazer do Estado um propulsor do desenvolvimento e não conseguiu nem seguir as regras do FMI. Meu amigo economista Luís Alberto de Oliveira costuma dizer que a política econômica desenvolvida pelo governo Lula é a do FMI, só que, diferentemente do governo passado, ela é desenvolvida com competência. Euler de França Belém – Não consigo entender a diferença entre a política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e a do PT. O governo Fernando Henrique vendeu empresas públicas de forma criminosa. E não investiu no Estado como um elemento que propicie políticas públicas de qualidade. O governo Lula, ao contrário, está investindo em serviços públicos eficientes, tanto em nível da educação como da saúde. Está estruturando o Estado como fomentador da iniciativa privada e do desenvolvimento industrial. Essas são as diferenças. O PT mudou de posição sem mudar de lado. Continuamos do lado dos trabalhadores e continuamos defendendo o Estado como propulsor de desenvolvimento econômico e social. O Brasil, hoje, é um país estável. Fizemos concurso público para setores importantes. E temos uma Polícia Federal técnica, eficiente. Estamos combatendo o crime organizado e a sonegação de impostos. Euler de França Belém – A qualificação da Receita Federal e da Polícia Federal começaram no governo Fernando Henrique. Mas ele não conseguiu desenvolver essas políticas. Pela primeira vez estamos diminuindo a dívida externa. A economia começou a mostrar um crescimento satisfatório e estável. A expectativa que tínhamos do Brasil há seis anos atrás é totalmente diferente da expectativa do Brasil que temos hoje. Estamos destruindo algumas barreiras. Só precisamos transferir parte desse crescimento econômico para o combate às desigualdades sociais. José Maria e Silva – A popularidade de Lula não está caindo por causa de seus luxos pessoais? Um presidente do Brasil, considerado uma das 100 pessoas mais importantes do mundo pela revista Time, que pegou uma dívida pública de 623 bilhões de reais, precisa ter condições de se locomover. O avião que ele tinha era de 1960, mais velho que eu. Essa questão dos aviões, assim como essa das Farc, é uma deturpação. José Maria e Silva – A questão é simbólica. Uma intelectual como Marilena Chauí deveria dizer isso a Lula. Esse luxo e não a economia é que vai derrotar Lula. Lula mostra sua seriedade, garantindo não somente o crescimento da economia, mas o desenvolvimento social. O governo Lula continua protegendo os trabalhadores e defendendo um Brasil que tenha soberania. Lula defende um país que não seja só uma nação emergente, mas um país verdadeiramente desenvolvido. Por isso, está desenvolvento várias ações. Na semana passada, o Denit liberou para Goiás 120 milhões de reais para recuperar toda a malha viária federal no Estado. José Maria e Silva – O PT exige sacrifícios da população que nem Fernando Henrique teve coragem de exigir, como a Reforma da Previdência. Lula deveria dar exemplo de austeridade, abrindo mão de uma aposentadoria. Na questão da Previdência, ninguém foi mais criticado que o presidente Lula por combater privilégios. Tivemos a coragem de acabar com a aposentadoria dos marajás de até 62 mil reais. Lula é um torneiro-mecânico que possui uma aposentadoria do INSS, como metalúrgico e ex-dirigente do sindicato. À medida que o Estado ofereceu a ele uma aposentadoria de anistiado, que com certeza não é de um valor muito significativo, ele tem que se preocupar com seu futuro como aposentado. Assim como o governador Marconi Perillo teve a sensibilidade de também conceder aposentadoria aos anistiados goianos, apesar de alguns deles nunca terem sofrido tortura. Afonso Lopes – E o Fome Zero? Não saiu do papel? Esse tem sido um governo de combate à fome. A inclusão dos programas sociais em torno do bolsa-família é um exemplo disso. Basta visitar os pequenos municípios que possuem uma economia muito pobre e verificar a importância do bolsa-família. José Maria e Silva – O sr. não acha que os políticos brasileiros perderam a austeridade que caracterizava políticos como Pedro Ludovico, Vargas? Na época deles, tínhamos uma atividade política muito intensa no país. O embate das idéias era muito forte, com instituições da sociedade civil e um parlamento muito forte. O regime militar fechou esse ciclo e conseguiu dar alguns avanços no desenvolvimento econômico, reprimindo as liberdades democráticas. Houve um enfraquecimento da atividade política e das instituições políticas, notadamente do parlamento como instituição fiscalizadora. Isso é muito ruim. Na medida em que as instituições democráticas se enfraquecem, a imagem dos políticos vai para a lata de lixo. Um dos fatores que contribuiu para isso foi a corrupção. No Brasil, estima-se que, para cada 100 reais investidos, 30 ou 40 são desviados. Temos que intensificar o Movimento pela Ética na Política. Temos que exterminar as capelas, os guetos, os antros de formulação de fisiologismo e clientelismo. Estou no PT até hoje, desde 1979, por isso. Presidi o partido duas vezes em Goiânia. No dia em que eu entender que o PT não cumpre seu papel de desenvolver políticas de inclusão social, de moralidade, de fortalecimento das instituições, sairei dele. José Maria e Silva – O senador Demóstenes Torres disse que o governo Lula conseguiu piorar a lei criminal. Também considera grave a denúncia de que o PT recebeu dinheiro das Farc. Como o sr. avalia essa crítica dele? O PT sempre defendeu a liberdade de expressão, a autonomia das instituições. E sempre foi contra o crime organizado. As Farcs representam um braço do crime organizado, que por falta de políticas precisas no governo passado, conseguiram fazer um acordo com o narcotráfico presente nos morros do Rio de Janeiro. Agora pretendem estabelecer uma rota através do Mato Grosso do Sul. O PT não compactua com esse tipo de ação. Nunca tivemos em qualquer momento relação com essas articulações. Condenamos o radicalismo de alguns grupos extremos que querem estabelecer ações armadas no Brasil. Sempre combatemos a luta armada. Quando o senador Demóstenes faz essas acusações, ele baixa o nível do debate político, apesar de ser um homem inteligente. Esse tipo de manifestação é provocativa. Euler de França Belém – O pessoal das Farc fez reuniões com petistas no Brasil. Se elementos das Farc transitaram livremente no Brasil, deveriam estar na cadeia, ter voto de prisão imediata. O governo Lula não apóia qualquer grupo de guerrilha ou qualquer elemento que venha propiciar a luta armada. Jamais teve contato com esse pessoal. Aquela reunião que a revista menciona não possui a presença de nenhum dirigente do PT. A própria revista afirma que não ficou comprovado o envolvimento de dirigentes do PT com as Farc. Seria o mesmo que condicionar o envolvimento de alguns grupos de direita no país com grupos de extermínio. O PT sempre primou pela democracia, pela liberdade e sempre combateu o crime organizado. José Maria e Silva – O que o sr. diz do Foro São Paulo, que congrega praticamente toda a esquerda da América Latina, inclusive as Farc? O PT surgiu do agrupamento de 72 organizações políticas clandestinas que se organizavam em várias regiões do Brasil. Alguns grupos militaram na luta armada, no combate ao regime militar e na luta pelas liberdades democráticas. Quando o PT surgiu, nenhum dos seus integrantes continuava participando de ações armadas. Setores do PMDB, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, até hoje se dizem revolucionários e participaram da luta armada, mas dentro do PT conseguimos acabar com todas as organizações paralelas e desenvolver uma idéia de partido único, centralizado, democrático nas suas decisões. O último grupo que defendeu abertamente uma relação com o Sendero Luminoso, do Peru, foi expulso do PT, ainda nos anos 80. Foi o PCBR. E, na época, tínhamos posições muito mais radicais. Ainda não admitíamos a hipótese de sermos gerentes das ações do capitalismo. Acreditávamos no socialismo como um processo de transformação da sociedade. Hoje, posso garantir, com toda a certeza, que o PT não possui qualquer relação com essas organizações. Os dirigentes do PT não participaram de qualquer encontro internacional onde ações armadas estivessem na pauta. Participamos de encontros nacionais de partidos de esquerda, como também participamos da Conferência de Davos. A ação do senador Demóstenes Torres é provocativa, fere sua inteligência. Se continuar desenvolvendo esse tipo de ação, poderá ser classificado como um senador panfletário. O que é muito ruim para a imagem de um homem inteligente como ele. Euler de França Belém – Heloísa Helena e Babá dizem que Lula, como gestor do capitalismo, é mais eficiente que os outros presidentes. O PT dirige a crise do capitalismo no Brasil. Sua missão é garantir um equilíbrio econômico e desenvolver um projeto de governo que propicie inclusão social. Para isso, temos que administrar os problemas do capitalismo. Esse dilema colocou em choque os estrategistas do PT com os articuladores de posições mais à esquerda, como a Força Socialista, a Democracia Socialista, da qual a senadora Heloísa Helena participava. No governo não se pode romper bruscamente os acordos. Isso atrairia não só a oposição de segmentos internacionais, como do próprio setor produtivo brasileiro. É preciso manter acordos e contratos, estabelecendo novas regras de convivência. Nesse aspecto, o PT gerencia bem a crise do capitalismo. Alguém pode dizer que o PT está negando o socialismo. Nos anos 80, tínhamos alguns bilhões de pessoas que viviam sob a esfera do socialismo. Hoje, esse sonho ficou confinado a alguns milhares. Os teóricos discutem se a sociedade justa pode ser socialista ou não. O PT dirige a crise do capitalismo no Brasil. Sua missão é garantir um equilíbrio econômico e desenvolver um projeto de governo que propicie inclusão social. Para isso, temos que administrar os problemas do capitalismo. Esse dilema colocou em choque os estrategistas do PT com os articuladores de posições mais à esquerda, como a Força Socialista, a Democracia Socialista, da qual a senadora Heloísa Helena participava. No governo não se pode romper bruscamente os acordos. Isso atrairia não só a oposição de segmentos internacionais, como do próprio setor produtivo brasileiro. É preciso manter acordos e contratos, estabelecendo novas regras de convivência. Nesse aspecto, o PT gerencia bem a crise do capitalismo. Alguém pode dizer que o PT está negando o socialismo. Nos anos 80, tínhamos alguns bilhões de pessoas que viviam sob a esfera do socialismo. Hoje, esse sonho ficou confinado a alguns milhares. Os teóricos discutem se a sociedade justa pode ser socialista ou não. Euler de França Belém – O sr. não é marxista, então? Não sou marxista. Acredito que o socialismo é possível, mas está muito distante. A própria social-democracia não conseguiu se estabelecer direito em vários lugares, como na Alemanha e em Portugal. José Maria e Silva – Um dos fatores que levou Fernando Henrique Cardoso a ter tantos problemas foi o PT, que era fator de risco para o capital estrangeiro. O PT está preparado para um fator de risco desde porte, como, por exemplo, um fenômeno eleitoral completamente novo em 2006, como Collor e o próprio Lula em1989? No início do século XX, na Europa, a miséria levou determinadas sociedades para o socialismo, mas também para o fascismo e o nazismo. A pobreza pode causar retrocesso. Mas estamos tranqüilos: o presidente Lula vai ser reeleito no primeiro turno. José Maria e Silva – Há setores do PT muito ligados à Igreja Católica. Como o sr. avalia a eleição de Joseph Ratzinger para Papa? Leonardo Boff foi punido pelo cardeal que se tornou Papa. Hoje, a Teologia da Libertação também busca a fé como elemento fundamental, inclusive para impedir o avanço do protestantismo. A Igreja tem de buscar um ponto de equilíbrio e convivência entre as duas alas. Se a igreja não conseguir fazer isso, algum tipo de ruptura mais grave pode acontecer. Euler de França Belém – O MST é uma tendência do PT? É um movimento social importante, que o PT sempre apóia. E não é um grupo armado, não tem envolvimento com as Farc como foi dito aqui. Ele tem um papel importante na luta pela reforma agrária do Brasil, embora, em alguns momentos, radicalize, como todo movimento social. A França fez a reforma agrária no século XVIII. Os Estados Unidos também. O Brasil não conseguiu fazer uma reforma agrária até hoje. A Constituição dos Estados Unidos estabelece que nenhum proprietário de terra pode ter mais de 280 alqueires. No Brasil, alguns têm áreas que não produzem nada do tamanho do Estado do Sergipe. Mas o presidente Lula não vai fazer reforma agrária como os radicais querem. A terra tem preço. É um processo de compra. No governo Lula, já foram assentados 171 mil famílias, o que é um avanço significativo. Em Goiás foram assentadas 6.500 famílias. Euler de França Belém – O PT de Goiás quer compor com o PMDB. Para ter o vice ou senador? Em 1982, 1986 e 1990, o PT lançava candidaturas para marcar posição. A eleição presidencial de 1994 demonstrou a incapacidade do PT em fazer alianças. Lula perdeu porque não formulou uma política de alianças nos Estados. Em 2002, Lula ganhou, mas as alianças não foram vitoriosas. Estamos discutindo essa questão. Estamos mapeando os Estados em que o PT tem chances reais de vitória e desarticulando candidaturas do campo aliado ao governo federal nesses Estados para apoiar as candidaturas petistas. Ao mesmo tempo em que iremos aliar e desestruturar algumas pretensas candidaturas petistas em Estados onde nossos aliados não ganhariam sem o nosso apoio. É o caso do Paraná, Santa Catarina, Paraíba, Pará e Goiás. São Estados onde podemos compor com o PMDB e montar um palanque forte para o presidente Lula. Existem dois casos em que não temos condições de conviver com nossos aliados: Rio Grande do Sul e Brasília. Nesses dois Estados, é muito difícil uma aliança com o PMDB. Em Goiás, se Henrique Meirelles for candidato, é possível que o PT esteja no seu palanque. Até setores do PSDB poderiam embarcar nesse projeto. Sem Meirelles, seria um palanque com o PMDB, acredito que em disputa com o PSDB. Na hipótese de nomes fortes como Meirelles, Maguito e Iris não serem candidatos, o PT tem de lançar candidato próprio. Afonso Lopes – E se o PMDB lançar um candidato nacional a presidente da República? Nessa hipótese, com certeza, o PT em Goiás poderia articular candidatura própria ou procurar outro palanque. Acredito que apenas em setembro teremos esse quadro definido. Afonso Lopes – Qual a perspectiva do PT, do ponto de vista eleitoral, para a chapa de deputados estaduais e federais? Acredito que haverá numa onda de euforia em relação ao presidente Lula, beneficiando nossa chapa de parlamentares. PSDB e PFL ficariam até com dificuldade para lançar candidatura própria. Nesse cenário, entra o governador Marconi. Ele gostaria de disputar a presidência da República com um cenário desfavorável, como foi em 1998 com relação ao PMDB. Esse cenário seria interessante para uma candidatura dele. Afonso Lopes – E se o candidato for o vice-governador, Alcides Rodrigues? O PT poderia coligar-se com a base aliada? Esse cenário é possível também. O PP deve estar na aliança do governo federal. Faz parte dos partidos que dão sustentação ao governo. O que Lula tem recomendado, em Goiás, é que precisamos de uma expressiva votação. O Estado tem que estar em sintonia com o projeto de sua reeleição. Afonso Lopes – E se nem o PMDB nem o PP lançarem candidatura nacional, apoiando Lula, mas em Goiás o PMDB lançar Maguito ou Iris e o PP lançar Cidinho? O presidente Lula tem uma simpatia muito grande pela candidatura do senador Maguito Vilela. Já demonstrou isso publicamente. Mas é uma decisão que o partido vai tomar em setembro, avaliando o quadro. Podemos fazer aliança e podemos lançar candidatura própria. Até setembro, todas as ações são especulativas. Euler de França Belém – Qual é identidade do PT com Maguito? A ação parlamentar de Maguito tem sido próxima das propostas progressistas, sempre acompanhando os parlamentares do PT. Maguito é um parlamentar democrático, de centro. Ele e Lula se conhecem desde a Constituinte. Foram colegas no Congresso. Euler de França Belém – O sr. demonstra certo entusiasmo com o nome de Meirelles. Por quê? Meirelles conseguiu controlar o câmbio, com a experiência que teve como presidente do Banco de Boston. Goza do respeito do setor financeiro, conhece do ramo. A condução da política cambial possibilitou o desenvolvimento de políticas públicas que garantiram a estabilidade e vão garantir o desenvolvimento econômico duradouro. O crescimento do PIB até 1980 era de 7 por cento ao ano, em média. De 1980 a 2002, tivemos um decréscimo na nossa atividade econômica. Só agora estamos recuperando. O Brasil vai crescer algo em torno de 5 a 7 por cento nos próximos dez anos. A política cambial desenvolvida por Henrique Meirelles no Banco Central possibilitou essas ações. Euler de França Belém – O sr. acha que ele será candidato? Há um ano, tive a oportunidade de ir ao Banco Central e conversar algumas vezes com Meirelles. Pouco se falava da candidatura dele para governador. Perguntei se ele tinha interesse no governo de Goiás, porque eu queria ser, dentro do PT, um dos articuladores da sua campanha. Ele me disse que, se tivesse esse interesse, seríamos procurados. Não vi sinais de que será candidato. Deve ficar no Banco Central, no Ministério da Fazenda ou alçar vôos mais altos em Brasília. Euler de França Belém – No caso de candidatura própria, Delúbio Soares poderia ser o escolhido? Delúbio Soares dedicou metade de toda a sua vida à direção nacional do PT. Foram 25 anos coordenando a CUT nacional. Ele coordenou todas as campanhas do presidente Lula. Tem uma credibilidade muito grande junto aos dirigentes do partido e uma capacidade administrativa formidável. Através da ação da secretaria dele no PT, todos os diretórios municipais do partido estamos informatizados e ligados à Internet. São 5.500 diretórios em todo o Brasil. Ele tem condições de postular uma candidatura ao governo do Estado, sem dúvida. Euler de França Belém – E a questão dos diretórios? A Democracia Radical vai apoiar algum candidato? Pedro Wilson ou Rubens Otoni? Vai ter confronto? Fazemos parte do campo majoritário, que em Goiás. Entendemos que o deputado Rubens Otoni desenvolveu um papel muito importante na construção do PT no interior de Goiás. Em 2001, tínhamos 72 diretórios e hoje estamos presentes nos 246 municípios. Temos nove prefeitos, 17 vices e elegemos 142 vereadores. Apesar de ter perdido as eleições em Goiânia e Anápolis, somos uma força política em crescimento no interior. Nesse aspecto, precisamos recuperar o prestígio do PT nos principais centros urbanos e queremos usar a campanha do Lula para isso, intensificando o nosso crescimento no interior do Estado. Quem terá condições de desenvolver essa tarefa, no meu entender, é o deputado federal Rubens Otoni. Também temos de escolher um bom nome para presidir o PT de Goiânia. Euler de França Belém – A Articulação aceita esse desenho? Tivemos a informação de que há um entendimento, entre as forças do PT, de que o Rubens Otoni seria um bom nome para o diretório regional. O campo majoritário está praticamente unido. Alguns de nós temos vontade de lançar uma chapa, mas tudo o que não pode acontecer é um atrito interno, que venha atrapalhar nossa campanha em 2006. O campo majoritário comanda 70 por cento do partido em Goiás. Se ele estiver unido, o partido estará unido. Tendências mais à esquerda devem lançar candidatos à presidência do diretório nacional. Resta saber se também vão lançar chapa em Goiânia. Estamos conversando, tentando aglutinar todos. Mas não descarto a disputa entre duas chapas em Goiás: uma ligada ao campo majoritário e outra das forças consideradas mais à esquerda. Isso pode ser possível, como é possível também trabalharmos uma política de unidade, respeitando a proporcionalidade de cada força na composição dos cargos da direção, tanto em nível municipal como em estadual. Euler de França Belém – Pedro Wilson é candidato a deputado federal? Ele tem demonstrado interesse em disputar eleição para deputado federal, assim como Rubens Otoni e Neide Aparecida. Também tem se colocado à disposição de uma candidatura ao governo. É um companheiro valoroso, que sempre esteve à disposição do partido. Acho que ele vai escolher o caminho que for melhor para o PT. Euler de França Belém – Numa aliança com o PMDB, vocês preferem o vice ou o senado? Acredito que participaríamos, não só com o PMDB, numa vice, e nos reservaríamos, também, o direito de estar numa chapa proporcional puro-sangue tanto na estadual quanto na federal. Euler de França Belém – E a questão dos transgênicos em Goiás, na qual o sr. esteve engajado, como ficou? O nosso projeto foi importante em Goiás para estabelecer uma discussão sobre os produtos transgênicos. Hoje, o mercado internacional valoriza mais a soja e o milho não-transgênicos, inclusive com preços melhores. Tivemos aqui um debate importante com o deputado federal Leonardo Vilela. Fizemos audiências públicas na Assembléia Legislativa. Nosso projeto tinha um propósito muito audacioso: proibir a comercialização e o plantio de transgênicos em Goiás. Mas, com o tempo, percebermos que as próprias regras do mercado iriam determinar isso. Na medida em que o produto transgênico não tem favorecimento comercial lá fora, os produtores, por decisão própria, fariam a opção. A prática está mostrando que os produtores do Rio Grande do Sul estão tendo prejuízos. Por outro lado, o governo Lula, por meio da Lei de Biotecnologia, trouxe para si a regulamentação definitiva, em nível nacional, dos produtos transgênicos, para não haver incompatibilidade entre a legislação federal e as estaduais. O governador do Paraná, Roberto Requião, chegou pessoalmente a ir para as fronteiras para impedir o carregamento de soja transgênica dentro do Estado. Estabeleceu um colapso total nos portos. Em Goiás, nosso projeto cumpriu um papel importante para o debate, mas é matéria vencida em função da vigência da nova Lei de Biotecnologia e das regras de mercado que não favorecem a comercialização de produtos transgênicos. Goiás, como muitos supunham, não é um Estado que produz em larga escala a soja e outros produtos transgênicos. A transgenia é importante na pesquisa e institutos de pesquisa devem continuar estudando. É importante para a evolução da biotecnologia. É importante para combater algumas pragas, mas até a comercialização em larga escala, temos que ter análises de impacto ambiental. Afonso Lopes – Uma coisa que Goiás tem que desenvolver é a agricultura energética. Sem dúvida. A agricultura energética é o álcool e o biodiesel. Se Goiás conseguir desenvolver bem esses dois projetos, principalmente o biodiesel, e impulsionar o projeto do álcool, teremos uma grande fronteira de produção energética através da agricultura no Estado. Quando o governo chama para si o programa do biodiesel e começa a incentivar a produção do biodiesel, já é um grande passo nesse sentido. Euler de França Belém – Por que o PT de Goiás parece se empenhar pouco em defesa da Ferrovia Norte-Sul? Rubens Otoni fez pronunciamentos no Congresso em defesa da Norte-Sul. Mas essa ferrovia integra ações de governo, que precisam ser desenvolvidas pelo setor correspondente. Aliás, o presidente da Valec, José Francisco das Neves, o Juquinha, é de Goiás. O PT sempre fez a defesa do transporte ferroviário, que não poderia jamais ter sido paralisado. No governo Fernando Henrique, praticamente estacionou. Estacionou, não, recuou. O transporte ferroviário é fundamental para garantir a queda do custo de transporte. Estados Unidos e Europa são exemplos de que o transporte de cargas por ferrovias reduz o preço da produção. O Japão e a Europa mostram que é importante também no transporte de passageiros. Aqui em Goiás, ventilou-se a idéia do trem-bala ligando Brasília a Goiânia. Eu disse na época que ele é importante, depois de se concluir pelo menos a duplicação da BR-060, que liga Goiânia a Brasília. Acontecem tantos acidentes naquela pista estreita. Euler de França Belém – Como o sr. vê o papel do Legislativo hoje e, sobretudo, da Assembléia Legislativa de Goiás? A Assembléia Legislativa precisa recuperar sua autonomia política. Na relação dos Poderes da República, o Legislativo, infelizmente, é o que está mais desgastado. A imagem do deputado caiu muito. Fiz um levantamento em 2004 sobre os repasses financeiros para as Assembléias. Naquele momento, Goiás era o penúltimo lugar; só perdíamos para o Estado do Piauí. Quando foi agora, no final de março, voltei a fazer esse levantamento e o orçamento da Assembléia Legislativa do Piauí já estava em 126 milhões; do Distrito Federal, 240 milhões. Ou seja, somos o último Estado no ranking de distribuição de recursos para o Legislativo. Nunca conseguimos ter o duodécimo constitucional previsto nas votações orçamentárias. Se fosse cumprido, a Assembléia Legislativa teria teria, em 2003, 8 milhões e 904 mil a mais. Em 2004, 6 milhões e 682 mil a mais e, em 2005, 38 milhões e 337 mil a mais. É dinheiro suficiente para construir a sede do Legislativo. José Maria e Silva – O sr. acha que ela deve sair do Bosque dos Buritis, pelo fato de ser a área uma área de preservação ambiental? A Assembléia foi inaugurada em 25 de abril de 1962, numa área ecológica. Hoje já existe uma ação inclusive de despejo, porque ocupamos uma área de preservação importante para a cidade. O terreno para construção da nova sede foi doado pelo prefeito Pedro Wilson e tem três anos para dar destinação a esse terreno, que venceu agora. Mas nenhuma ação concreta foi feita nesse sentido. Além da questão da construção da sede, nós não temos a rádio FM, que existe, mas está parada. A nossa televisão funciona precariamente no circuito fechado, enquanto outros Estados já têm canal aberto ou em parabólica. Não temos agência de notícias, não temos biblioteca de pesquisa do Legislativo. Hoje, a Assembléia Legislativa de Goiás é um poder que não exerce sua função fiscalizadora como é necessário, por causa de técnicos e auditores na área de engenharia, completamente submissos ao TCE e que têm sérios problemas de gestão. Um dos apelos que fizemos ao presidente foi que garantisse o papel constitucional da Assembléia Legislativa em todas as suas prerrogativas de fato. Não estamos pedindo verba para deputado, não. Queremos que o deputado tenha as mesmas condições de outros Estados para exercer seu papel. Esses dias chegou um repórter da TV Cultura e me procurou porque estava fazendo um documentário sobre o José Couto Filho. Eu não achei nenhuma pasta dele na Assembléia. Não tem um arquivo, uma fotografia, nada do deputado. E ele era da década de 60. Imaginem, então, os deputados do início do século passado. Afonso Lopes – Outra questão polêmica é a verba indenizatória. Por que não se trabalha na Assembléia para que ela seja pública? A verba indenizatória existe. O problema é que ela não é repassada com pontualidade. A partir do momento em que foi instituída, transferiu-se também para o gabinete a conta de telefone, a compra de papel, a tinta para computador, selo, gastos de viagem. Ela é para isso. Fiz um projeto de lei que determina a publicação diária do diário da Assembléia Legislativa. Quando fui assessor da liderança do PT nos anos 90, diariamente recebíamos o diário da Assembléia com todos os atos da mesa. Isso aconteceu até 1996. De lá para cá, ele sumiu. Mas não pode continuar assim. Os atos da Assembléia precisam estar ancorados na transparência, oque inclui a publicação deles. O Legislativo é tão fundamental quanto os demais poderes.